Old afternoons...

quarta-feira, janeiro 14, 2004

O ESPÍRITO DE PARTILHA
O surf moderno é uma actividade solitária. Mesmo numa praia como Carcavelos ao fim-de-semana cada um dos milhares de surfistas na água está a sós, eles e as ondas. Uma das regras mais importantes do surf, actualmente, é ela mesma representativa desta solidão. Uma onda um surfista. Nada é pior para um surfista que um dropinanço, nem mesmo levar com um set todo na cabeça. A lei da prioridade retém essa essência individualista do acto de apanhar ondas. Assim, a sós com as ondas, os surfistas criam um enorme muro entre eles e o resto da sociedade. Não sendo o surf actual, infelizmente, um desporto colectivo é extraordinariamente difícil explicar ao resto das pessoas o valor global de uma onda, uma onda que seja. Quem nunca apanhou uma onda não vê mais do que uma banalidade nesse fenómeno, as ondas não são únicas, são banais, estão sempre lá, vindas do mar, umas maiores, outras mais pequenas, ininterruptas, sem mais utilidade nenhuma que não seja dar vazão aos sonhos dos surfistas, essa imensa minoria de surfistas que habitam as costas do mundo. Para o resto das pessoas, para a maioria, as ondas não servem para nada. Nos dias de hoje, quando as ameaças que pairam sobre o futuro da Terra são de tal maneira graves, cabe a todos os surfistas, a cada um de nós que sabe dentro de si a emoção de uma onda, cabe-nos a obrigação de partilhar com os outros, os que não sentem as ondas, essa emoção. A tarefa de defender as ondas começa na defesa do meio ambiente, na luta pela sustentabilidade, na preservação e na partilha dos recursos. O nível da água do mar está a subir. Provavelmente num futuro não tão longínquo como desejaríamos os passeios marítimos e as avenidas litorais do Dr. Alberto João Jardim serão submarinos mas, nessa altura, Teahupoo, Pipeline, os Coxos e outras ondas terão, também, desaparecido. Se não começarmos já a partilhar o prazer das ondas com quem nunca surfou será impossível passar a mensagem de quanto é importante preservar uma onda. Uma ideia que todos os surfistas de hoje deviam ter bem presente é que se os antigos havaianos não tivessem partilhado as suas ondas nenhum de nós saberia o que é surfar. Se todos começarmos por partilhar, partilhar uma onda, por exemplo, com um amigo ou com um desconhecido e se outros fizerem o mesmo por nós, será, de certeza, mais fácil preservar o que nos rodeia. O mundo não é nosso para gastar, nós apenas o guardamos para os que vierem a seguir. Adeusinho e obrigado pela partilha!

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