Aprender o mar
Não estou a divagar... Como sabem, há coisas que aprendemos e que ficam... Outras que se tornam automáticas, inatas e não premeditadas... Como respirar... Como reagir por reflexo... Hoje NÃO reagi por reflexo... Fazem sete meses que não entro no mar, que não enfrento uma onda, que não lido com a força do mar, que não sou obrigado a medir uma remada ou a calcular o tempo que o lip vai levar a cair... Mas hoje fi-lo sem querer... Fora da água... Reflexo condicionado... Fui à Trafaria... O rio, picado, disparava uma forte ondulação contra a plataforma do porto e contra todo aquela parede que separa a rua do rio... As ondas, nas poucas vezes em que o backwash não coincidia com a onda que rolava em direcção à parede, explodiam contra o paredão galgando-o... Um placard com cerca de três metros de altura pingava abundantemente água salgada.... Aproximei-me, despassarado e desatento como de costume... Subitamente uma brutal onda estoira contra o cimento com um som que concerteza conhecem! A água subiu, subiu bastante... Olhei para cima e pude, numa fracção de segundo, tirar uma fotografia mental da água com espuma a ser atravessada pelos raios de luz... Algo na minha mente me disse "Não precisas de te mexer... Não tens de recuar!" e assim foi... Toda aquela água aterrou um pouco à frente dos meus pés, mal me salpicando... Nesse momento tive um flashback... Vi-me deitado na 6'3'', vi a onda rebentar a pouco mais de metro e meio do nose, vi o nose afundar com o meu peso, ouvi o borbulhar, vi o cabelo encharcado na frente dos olhos e finalmente vi os salpicos que o offshore arrancou do lip da onda provocando uma chuva salgada cujo som ao bater no meu neoprene me arrepia, ao mesmo tempo que vejo aquele arco-iris bem definido e instantâneo formado pelo sol que corta as gotas de água... Voltei a acordar do flashback, fiquei triste, tive saudades, fiquei feliz, pois faltam apenas dois milimetros de células no meu tímpano... Voltarei ao meu mundo, mais tarde ou mais cedo...
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